O que é “período de normalidade” em um trato contratual bancário? 

    Essa é uma expressão bastante utilizada nos julgados de demandas bancárias. A mesma representa um período do contrato de financiamento oposto à fase de inadimplência.

    Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao concluir o julgamento de recurso repetitivo sobre revisão de contrato bancário (REsp nº. 1.061.530/RS), no tocante ao tema de “configuração da mora” destacou que:

“ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA

a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos noperíodo da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;

b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. “

(  os destaques são nossos )

       E do preciso acórdão em liça ainda podemos destacar que:

“Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado ‘período da normalidade’, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora. “

( destacamos )

    Nesse passo, uma vez constatada a cobrança de encargos abusivos durante o “período da normalidade” contratual, restará afastada eventual condição de mora do mutuário.

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    A mora reflete uma inexecução de obrigação diferenciada, maiormente quando representa o injusto retardamento ou o descumprimento culposo da obrigação. Assim, na espécie incide a regra estabelecida no artigo 394 do Código Civil, com a complementação disposta no artigo 396 desse mesmo Diploma Legal.

CÓDIGO CIVIL

Art. Art. 394 – Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Art. 396 – Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.

   Do mesmo teor a posição do Superior Tribunal de Justiça:

BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CONTRATUAL. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. TAXA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE. CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INSCRIÇÃO. REEXAME DE FATOS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE.

É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. 2. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. 3. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa. 4. Admite-se a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários celebrados a partir da publicação da MP 1.963-17 (31.3.00), desde que seja pactuada. 5. É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual. 6. Reconhecida a abusividade dos encargos exigidos no período de normalidade contratual, descarateriza-se a mora. 7. A repetição simples e/ou compensação dos valores pagos a maior, nos contratos bancários, independe da prova de que o devedor tenha realizado o pagamento por erro. 8. A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: a) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; b) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; c) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. 9. O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em Recurso Especial são inadmissíveis. 10. Recurso Especial parcialmente conhecido e provido. (STJ – REsp 1.430.348; Proc. 2014/0008686-5; RS; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 14/02/2014)

        Igualmente nesse sentido é o magistério deWashington de Barros Monteiro:

“          A mora do primeiro apresenta, assim, um lado objetivo e um lado subjetivo. O lado objetivo decorre da não realização do pagamento no tempo, lugar e forma convencionados; o lado subjetivo descansa na culpa do devedor. Este é o elemento essencial ou conceitual da morasolvendi. Inexistindo fato ou omissão imputável ao devedor, não incide este em mora. Assim se expressa o art. 396 do Código Civil de 2002. “ (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 35ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, vol. 4. Pág. 368)

Com o mesmo entendimento advertem Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald:

“          Reconhecido o abuso do direito na cobrança do crédito, resta completamente descaracterizada a mora solvendi. Muito pelo contrário, a mora será do credor, pois a cobrança de valores indevidos gera no devedor razoável perplexidade, pois não sabe se postula a purga da mora ou se contesta a ação. “ (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Pág. 471)

    Em arremate, resta compreendido que a mora cristaliza o retardamento por um fato, quando imputável ao devedor. Com isso, quando o credor exige o pagamento do débito agregado com encargos excessivos (durante o período de normalidade), retira-se do devedor a possibilidade de arcar com a obrigação assumida. Por conseguinte, não pode lhes ser imputados os efeitos da mora.

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