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Artigo 421 do Código Civil Comentado

Em: 05/03/2025

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Artigo 421 do Código Civil: A Função Social do Contrato

 

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. 

 

O artigo 421 do Código Civil brasileiro estabelece um dos princípios fundamentais do direito contratual contemporâneo ao dispor que "a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato". Este dispositivo, que inaugura as disposições gerais sobre contratos no Código Civil, sofreu importante alteração pela Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), representando uma evolução na compreensão da autonomia privada e sua relação com os interesses sociais.

 

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Evolução da Redação Legal

 

A redação original do artigo 421 estabelecia que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". A modificação introduzida pela Lei da Liberdade Econômica trouxe duas alterações significativas:

 

  1. Substituiu a expressão "liberdade de contratar" por "liberdade contratual", reconhecendo que o foco da limitação não está no direito de celebrar contratos (que é pleno em uma economia de livre iniciativa), mas sim no conteúdo das cláusulas contratuais.
  2. Eliminou a expressão "em razão", mantendo apenas "nos limites", o que representa uma importante mudança conceitual, pois afasta a ideia de que o contrato existe para cumprir uma função social, estabelecendo que a função social atua como um limite externo à autonomia privada.

 

O Parágrafo Único e a Intervenção Mínima

 

O parágrafo único, acrescentado pela Lei da Liberdade Econômica, estabelece que "prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer de seus poderes, e a revisão contratual será exercida em caráter excepcional para assegurar a autonomia de vontade dos contratantes e a liberdade das atividades econômicas".

Esta disposição fortalece o princípio pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), reduzindo significativamente o poder de intervenção estatal nas relações contratuais privadas. A revisão contratual passa a ser considerada medida excepcional, limitando a atividade jurisdicional na órbita dos negócios privados.

 

Função Social Interna e Externa

 

A doutrina reconhece uma dicotomia na função social do contrato:

 

  1. Função Social Interna: Busca o equilíbrio entre os contratantes, evitando que a parte mais forte imponha condições abusivas à parte mais fraca. Conforme o Enunciado nº 360 do Conselho da Justiça Federal (CJF): "O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes".
  2. Função Social Externa: Reflete os efeitos da relação contratual perante a sociedade, promovendo a confiança nas relações sociais. O Enunciado nº 26 da I Jornada de Direito Comercial estabelece que "o contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial".

 

Relativização do Princípio da Relatividade dos Efeitos do Contrato

 

A função social do contrato impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos contratuais, conforme o Enunciado nº 21 do CJF: "A função social do contrato constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito".

Isso significa que, embora as obrigações contratuais se dirijam reciprocamente às partes, os contratos produzem oponibilidade perante terceiros, gerando um dever de abstenção. A sociedade não pode afetar negativamente uma relação obrigacional em andamento, nem ser afetada negativamente por ela.

 

Terceiro Ofendido e Terceiro Ofensor

 

A função social do contrato protege o "terceiro ofendido" - aquele que, estranho ao negócio jurídico, acaba sendo prejudicado por ele. Um exemplo clássico é a Súmula nº 308 do STJ, que estabelece que "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel".

Por outro lado, a função social também autoriza a configuração do "terceiro ofensor" - aquele que, conhecendo um contrato existente, contribui para seu descumprimento mediante a realização de um segundo contrato incompatível com o primeiro, frustrando as finalidades do credor original.

 

Equilíbrio entre Liberdade e Função Social

 

A função social do contrato não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua seu alcance quando presentes interesses metaindividuais ou interesses individuais relativos à dignidade da pessoa humana (Enunciado nº 23 do CJF).

O desafio do intérprete é encontrar o equilíbrio entre as duas formas de liberdade identificadas por Isaiah Berlin: a liberdade negativa (ausência de coerção) e a liberdade positiva (possibilidade efetiva de autodeterminação). As sociedades mais justas são aquelas que conseguem um compromisso entre essas duas concepções.

 

Considerações Finais

 

O artigo 421 do Código Civil representa uma cláusula geral de grande envergadura que convida o Poder Judiciário a construir soluções justas e equilibradas, que não aniquilem a autonomia da vontade nem permitam abusos contratuais prejudiciais à coletividade.

A atual redação do dispositivo, após a Lei da Liberdade Econômica, refina a compreensão da função social do contrato, especialmente nos contratos empresariais, onde o dirigismo contratual deve ser mitigado em razão da simetria natural das relações interempresariais.

O contrato do século XXI promove um quadro de valores constitucionais, equilibrando a liberdade econômica com a solidariedade social, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, sempre sob a égide da dignidade da pessoa humana.

 

Jurisprudência sobre o artigo 421 do CC

 

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. TAXA DE JUROS. ABUSIVIDADE NÃO CONFIGURADA. NÃO PROVIMENTO.

I. Caso em exame 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de revisão de contrato de empréstimo consignado, alegando-se abusividade na taxa de juros pactuada, ausência de amortização do saldo devedor, má-fé do credor e pleiteando repetição do indébito em dobro, indenização por danos morais e a readequação das condições contratuais. Ii. Questão em discussão2. Há duas questões em discussão: (I) verificar se as taxas de juros pactua -das configuram abusividade manifesta apta a justificar a revisão contratual; (II) determinar se estão presentes os requisitos para repetição do indébito e para indenização por danos morais. Iii. Razões de decidir3. As taxas de juros em contratos bancários não estão limitadas às médias de mercado divulgadas pelo BACEN, sendo tais índices meramente referenciais, conforme entendimento consolidado do STJ. A revisão judicial somente é cabível em caso de abusividade manifesta, o que não restou demonstrado nos autos. 4. A taxa de juros pactuada, ainda que superior à média de mercado, não ultrapassou o triplo desse parâmetro, entendimento usualmente adotado pelo tribunal de justiça do Acre para caracterizar abusividade. 5. A indenização por danos morais não é cabível, pois a mera insatisfação contratual não constitui ofensa à dignidade ou honra da parte apelante. 6. O princípio da intervenção mínima do estado nos contratos e a autonomia privada, previstos no art. 421 do Código Civil, reforçam a impossibilidade de revisão contratual em situações de ausência de desequilíbrio evidente. Iv. Dispositivo e tese7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. As taxas de juros em contratos bancários devem ser analisadas com base no princípio da autonomia privada, admitindo-se revisão judicial somente em casos de manifesta abusividade que comprometam a boa--fé objetiva e o equilíbrio contratual. 2. A frustração contratual, desacompanhada de lesão a direitos extrapatrimoniais, não enseja reparação por danos morais. "---------dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 421, parágrafo único, e 422; cdc, arts. 6º, VIII, e 42, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: TJAC, apelação nº 0704459-94.2023.8.01.0001, Rel. Des. Júnior Alberto, dje: 13/06/2024. TJAC, apelação nº 0705059-18.2023.8.01.0001, Rel. Des. Laudivon nogueira, primeira Câmara Cível, dje: 30/09/2024. (TJAC; AC 0707160-91.2024.8.01.0001; Rio Branco; Segunda Câmara Cível; Rel. Juiz Nonato Maia; DJAC 19/02/2025; Pág. 22)

 

RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E CONTRATUAL. APELAÇÃO CÍVEL. TERMO DE RECEBIMENTO DE IMÓVEL RURAL E BENFEITORIAS. CLÁUSULA SUSPENSIVA QUE CONDICIONA A ENTREGA DO TÍTULO DE PROPRIEDADE A EVENTO FUTURO INDETERMINADO. CONDIÇÃO PURAMENTE POTESTATIVA. NULIDADE. MORA CONTRATUAL CARACTERIZADA. DANO MORAL CONFIGURADO. LUCROS CESSANTES PRESUMIDOS. RECURSO PROVIDO.

I. Caso em exame apelação cível interposta contra sentença que interpretou cláusula suspensiva inserida em termo de recebimento de imóvel rural e benfeitorias, firmado em 2000, como válida, condicionando a entrega do título de propriedade a um momento futuro indeterminado (oportunamente). Pretensão do apelante de afastar a condição por abusividade e de obter a expedição imediata do título, com reparação por danos morais e lucros cessantes decorrentes da mora contratual. II. Questão em discussão há duas questões em discussão: (I) definir se a cláusula que condiciona a entrega do título de propriedade a evento futuro indeterminado configura condição puramente potestativa, nula nos termos do art. 122 do Código Civil; (II) verificar se restou caracterizada a mora contratual da requerida e o cabimento de reparação por danos morais e lucros cessantes. III. Razões de decidir a cláusula que subordina a entrega do título de propriedade ao termo oportunamente configura condição puramente potestativa, pois delega integralmente ao arbítrio da requerida o cumprimento da obrigação, sem critérios objetivos, sendo nula nos termos do art. 122 do Código Civil. A manutenção da cláusula torna a obrigação inexigível e contraria os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva (art. 421 do Código Civil), frustrando as legítimas expectativas do autor. A ausência de notificação específica não afasta a caracterização da mora, pois o inadimplemento já perdura há mais de 20 anos, e a citação válida na presente ação cumpre o requisito para constituição em mora, nos termos do art. 397 do Código Civil. A mora prolongada gerou dano moral, considerando as limitações causadas ao autor, como impossibilidade de obter financiamentos e desenvolver atividades agrícolas, além de comprometer sua dignidade e segurança jurídica. Os lucros cessantes são presumidos, diante da impossibilidade de plena utilização do imóvel, que ficou indisponível como garantia para financiamentos ou outros fins econômicos, conforme arts. 402 e 403 do Código Civil e entendimento jurisprudencial consolidado no STJ (Súmula nº 83/STJ). lV. Dispositivo e tese recurso provido. Tese de julgamento: Cláusula que condiciona o cumprimento de obrigação exclusivamente ao arbítrio de uma das partes configura condição puramente potestativa, sendo nula nos termos do art. 122 do Código Civil. A mora contratual pode ser caracterizada pelo ajuizamento da ação com citação válida, quando o inadimplemento já perdura por período prolongado. A mora prolongada pode ensejar indenização por danos morais e presunção de lucros cessantes, quando configurada privação econômica direta e previsível em decorrência do inadimplemento. Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 122, 125, 397, 402, 403 e 421. Jurisprudência relevante citada: TJMT, rac nº 0001292-48.2016.8.11.0108, Rel. Desa. Serly marcondes alves, j. 19.05.2022. STJ, agint no aresp 1254010/AM, Rel. Min. Marco Aurélio bellizze, terceira turma, j. 15.05.2018. (TJMT; AC 1000439-02.2024.8.11.0024; Quarta Câmara de Direito Privado; Relª Desª Serly Marcondes Alves; Julg 19/02/2025; DJMT 19/02/2025)

Tópicos do Direito:  CC art 421 função social do contrato

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