Evicção Significado no Código Civil CC
Compreenda o significado de evicção no direito civil. CC art 450
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1 – O que é evicção
Evicção, expressão originária do latim evictio, de evencere (evencer, desapossar judicialmente), significando o ato, judicial ou administrativo, que provoca a perda da propriedade ou da posse do adquirente.
No ponto, o professor Flávio Tartuce traz interessante definição, verbis:
A evicção pode ser conceituada como sendo a perda da coisa diante de uma decisão judicial ou de um ato administrativo que a atribui a um terceiro. Quanto aos efeitos da perda, a evicção pode ser total ou parcial. A matéria está tratada entre os arts. 447 a 457 do atual Código Civil.
De toda a sorte, é interessante deixar claro que o conceito clássico de evicção é que ela decorre de uma sentença judicial. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a evicção pode estar presente em casos de apreensão administrativa. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 8ª Ed. São Paulo: Método, 2013)
Aquele que sofre a evicção, nomina-se de evicto; o terceiro, que tem reconhecido o direito sobre a coisa, denomina-se evictor.
Quanto à evicção, decorrente de ato administrativo, urge trazer à colação o seguinte julgado:
JUIZADO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. CONSTRIÇÃO JUDICIAL SOBRE O BEM APÓS O NEGÓCIO JURÍDICO. EVICÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Recurso inominado aviado em face da sentença que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, ante a inadequação da via processual eleita (ausência de interesse), eis não ter havido a perda da propriedade do veículo, o que não configura evicção. 2. No caso concreto, as partes celebraram, na data de 08/02/2017, Contrato de Troca com Troco (ID 11349849), em que a ré/recorrida adquiriu o veículo Fiat Siena, recebendo a devolução do valor correspondente a R$ 4.213,36, e entregando à parte autora/ recorrente o veículo GM Captiva que então possuía. Nada obstante, no dia 03/08/2017, em transação comercial posterior, a autora/recorrente não conseguiu realizar a transferência do veículo GM Captiva a terceiro, em virtude de constrição judicial (RENAJUD), imposta nos autos do processo n. 0023274-56.2013.4.01.3400, em trâmite na 18ª Vara Federal do TRF da 1ª Região. 3. A evicção é a perda, total ou parcial, do bem por decisão judicial ou administrativa, em razão de causa preexistente ao contrato. Na espécie, ainda que tenha havido contrição judicial sobre o bem, que, aliás, foi posterior ao negócio jurídico originário, não houve sua perda, continuando sob o domínio da autora/recorrente, revelando a ausência de interesse de agir para a presente demanda, dada a inadequação da via processual eleita, não restando configurado o fenômeno da evicção, no caso concreto ora sob exame. Com efeito, tal qual assentado em sentença, a medida judicial adequada para o desembaraço do bem seriam os embargos de terceiro. A propósito, a jurisprudência do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal perfilha-se nesse sentido: (...) para a configuração da evicção, dentre outros requisitos, é necessária a perda total ou parcial da propriedade, posse ou uso da coisa alienada, o que não ocorreu, sendo insuficiente para caracterizá-la a restrição judicial inserida no cadastro do veículo. (Acórdão 705027, 20110510034842APC, Relator: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 14/8/2013, publicado no DJE: 27/8/2013. Negritado). (...) 4. O interesse de agir é condição da ação consubstanciada tanto pela necessidade do ingresso em juízo, para a obtenção do bem de vida visado, como pela utilidade do provimento jurisdicional invocado, ou seja, relaciona-se com a necessidade da providência jurisdicional solicitada e na utilidade que o provimento poderá proporcionar ao autor, de forma que, ajuizada ação de evicção de bem imóvel, e aferido que inexiste evicção, é correta sentença que extingue o processo por carência de ação. 5. A evicção consiste na perda parcial ou integral da posse ou da propriedade do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição. 6. Apesar de o direito de demandar pela evicção não exigir a perda da coisa por sentença judicial, podendo decorrer também de ato administrativo, certo é que exige a perda da posse ou da propriedade do bem, o que não se afere quando pesa sobre o automóvel alienado penhora cuja subsistência ainda pende de resolução em sede de embargos de terceiro. (...). (Acórdão 842878, 20130610125569APC, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor: FÁTIMA Rafael, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 21/1/2015, publicado no DJE: 28/1/2015. Pág. : 188). 4. Outrossim, na lição de Nelson ROSENVALD, É fundamental a constatação da anterioridade do direito do terceiro, sob pena de o adquirente assumir todos os prejuízos consequentes à perda da coisa cujo fato gerador seja posterior a sua aquisição (Código Civil Comentado, Editora Manole, 7ª edição, pág. 501). Conforme bem esclarecido na sentença recorrida, a restrição judicial sobre o bem objeto do negócio jurídico entabulado entre as partes, somente se verificou vários meses após a celebração deste, não havendo falar-se, portanto, em direito preexistente de terceiro estranho à lide, inclusive porque o bem poderia ter sido transferido para o recorrente bem antes de operar-se a restrição. 5. Escorreita a sentença de extinção do processo, sem resolução de mérito, à míngua de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC, vez que não foram reunidos os elementos para a caracterização da evicção. 6. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida, por seus próprios fundamentos. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, a teor do art. 55 da Lei nº 9.099/95. 7. A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei n. 9.099/95. (TJDF; RInom 0700310-02.2019.8.07.0010; Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais; Rel. Juiz Eduardo Henrique Rosas; Julg. 10/10/2019; DJDFTE 21/10/2019; Pág. 373)
2 – Direitos do evicto
Ao evicto, à sombra de disposições legais, revelam-se os seguintes direitos:
- Restituição integral do preço ou quantias dispendidas;
- Indenização dos eventuais frutos que fora compelido a devolver
- Indenização em face das despesas contratuais e prejuízos que a evicção lhes trouxe
- Repetição dos valores gatos com custas judiciais e honorários advocatícios, ao advogado por aquele constituído
Nessas pegadas, confira-se a diretriz estabelecida no Código Civil:
Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou:
I - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
II - à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção;
III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído
Nesse sentido, necessário se faz mencionar o civilista Paulo Nader, que preconiza in verbis:
Os direitos do evicto. Se o adquirente, consciente do risco, celebra o negócio, não libera o alienante quanto a outros possíveis riscos. Ao liberar sem a consciência do risco, o adquirente assume o direito à devolução do valor recebido em caso de evicção. São direitos do evicto: restituição do que pagou; b) indenização pelos frutos que foi obrigado a restituir; c) indenização por despesas gerais e prejuízos advindos.
Evicção parcial. Nessa hipótese o direito do evicto se limitará ao valor do que perdeu. Se a perda foi considerável, poderá escolher entre a rescisão e a restituição. Se não foi considerável, o direito será apenas à indenização. (NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Vol. 3: Contratos. São Paulo: Método, 2016)
De igual modo, estas são as lições de Carlos Roberto Gonçalves:
Na realidade, o ressarcimento deve ser amplo e completo, como se infere da expressão prejuízos que resultarem diretamente da evicção, incluindo-se as despesas com o ITBI recolhido, lavratura e registro de escritura, juros e correção monetária. São indenizáveis os prejuízos devidamente comprovados, competindo ao evicto o ônus de prová-los. As perdas e danos, segundo o princípio geral inserido no art. 402 do Código Civil, abrangem o dano emergente e o lucro cessante. Os juros legais são devidos à vista do disposto no art. 404 do Código Civil.
O atual diploma manteve a redação do Código de 1916 (art. 1.109), apenas incluindo nas despesas ressarcíveis os honorários de advogado, que de resto já estavam assegurados pelo princípio da sucumbência instituído no estatuto processual. E, no parágrafo único, procurou solucionar antiga discussão sobre o montante do preço a ser devolvido no caso de evicção total, dispondo que, seja total ou parcial a evicção, será sempre o do valor da coisa na época em que se evenceu.
Neste passo, adverte Caio Mário, “cabe esclarecer que o alienante responde pela plus valia adquirida pela coisa, isto é, a diferença a maior entre o preço de aquisição e o seu valor ao tempo em que se evenceu (parágrafo único do art. 450), atendendo a que a lei manda indenizar o adquirente dos prejuízos, e, ao cuidar das perdas e danos, o Código Civil (art. 402) considera-as abrangentes não apenas do dano emergente, porém daquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar. E, se a evicção vem privá-lo da coisa no estado atual, o alienante tem o dever de recompor o seu patrimônio, transferindo-lhe soma pecuniária “equivalente à estimativa da valorização.
Se, ao contrário de valorização, estiver depreciada, a aplicação pura e simples do disposto no art. 450 desautoriza levá-la em consideração, pois que constrange o alienante a efetuar a ‘restituição integral do preço’, e não obsta uma possível alegação de que a menor-valia corre à conta de negligência do adquirente. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2017)
Com essas impressões, ressalve-se o posicionamento da jurisprudência:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EVICÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EVICÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. PERDA DA POSSE PELO ADQUIRENTE. INDENIZAÇÃO DO EVICTO. POSTULAÇÃO. CONTRATO. ASSUNÇÃO DOS RISCOS DA EVICÇÃO PELO ALIENANTE. FATOS PRECEDENTES. RISCOS INERENTES AO NEGÓCIO. CONHECIMENTO PELO ADQUIRENTE. ASSUNÇÃO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. COMPROVAÇÃO. REPERCUSSÃO NO CONVENCIONADO. GARANTIAS LEGAIS INERENTES À EVICÇÃO. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES FÁTICAS. TRATAMENTO EXCEPCIONAL. ALIENANTE. CONDUTA. TRANSMISSÃO DE DIREITOS QUE NÃO PERTENCIAM AO PROMITENTE VENDEDOR. EVIDENCIAÇÃO. CONHECIMENTO DAS IRREGULARIDADES POR AMBOS OS CONTRATANTES. REAL INTENÇÃO DAS PARTES. CONSIDERAÇÃO. ATOS ILEGÍTIMOS. RECIPROCIDADE. NEGÓCIO. FRUSTRAÇÃO. CONSEQUÊNCIA. DEVOLUÇÃO DO PREÇO VERTIDO AO ADQUIRENTE. IMPOSIÇÃO. MODULAÇÃO DO CONVENCIONADO À REGULAÇÃO NORMATIVA. NECESSIDADE. PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A BOA-FÉ OBJETIVA E REPUGNAM O LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. LITIGÊNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELO PROVIDO EM PARTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA E APELO FORMULADOS SOB A ÉGIDE DA NOVA CODIFICAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. REDISTRIBUIÇÃO DA VERBA ORIGINALMENTE FIXADA.
1. Aperfeiçoado negócio de cessão de direitos atinentes a imóvel, formulando o cessionário pretensão destinada à afirmação da rescisão do contratado em decorrência da evicção que se operara, implicando a perda da coisa por ter sido assegurada sua posse a terceiro estranho ao vínculo negocial, o cedente, como protagonista do negócio engendrado de forma juridicamente insustentável por envolver a transmissão de direitos sobre imóvel de titularidade de outrem, deve responder pelos efeitos inerentes à evicção. 2. Apurada a ciência, pelo adquirente, da situação dominial do imóvel negociado e da opção pela consumação da compra e venda a despeito dos riscos compreendidos pelo negócio, o aferido obsta o tratamento linear da situação jurídica delineada nos estritos moldes preceituados pelo art. 450 do Código Civil, ensejando que, a despeito do materializado no instrumento negocial celebrado, o convencionado seja modulado em conformidade às inflexões que precederam o negócio na sua interpretação e materialização como expressão da boa-fé objetiva e da real intenção dos contratantes, conforme, inclusive, ressalvado pelo próprio legislador civil ao cuidar do instituto da evicção (CC, art. 449) 3. A despeito de configurada a evicção em razão da perda dos direitos incidentes sobre o imóvel negociado, ao adquirente alcançado pelo despojamento do imóvel não é lícito, sob esse prisma, demandar pela evicção de molde a alcançar a tutela normativa dela decorrente se, com base nas mesmas condições fáticas, adota conduta processual com lastro em argumentos totalmente diversos no bojo da ação de reintegração de posse contra si intentada pela terceira lesada, encerrando sua postura comportamento contraditório que vai de encontro à boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais, devendo ser repreendido à luz do princípio nemo potest venire contra factum proprium. 4. Aferido que o promitente vendedor, quando da celebração do negócio, atuara com negligência e à margem da boa-fé contratual, engendrando, conscientemente, a compra e venda de imóvel cujos direitos não mais lhe pertenciam, tornando-se, portanto, protagonista do imbróglio que envolvera a negociação, resta legitimado que ambos os contratantes, em tendo assumido os riscos da frustração do negócio, posto que cientes das irregularidades formais e factuais que o permeavam, sujeitem-se às consequências derivadas de suas condutas na proporção da postura irregular que adotaram, sob pena de se tutelar situação jurídica que não se conforma com a Lei. 5. Constatada a impossibilidade de consumação da compra e venda em razão da ilicitude do objeto do negócio por compreender imóvel pertencente a terceiro, fato conhecido por ambos contratantes, determinando que o adquirente vindicasse os direitos derivados da frustração do avençado junto ao alienante, sobeja legítimo que sejam resguardados os direitos materiais advindos da privação do imóvel adquirido onerosamente pelo promissário comprador, devendo o promitente vendedor, em harmonia às nuances principiológicas que informam a boa-fé contratual e repugnam o locupletamento ilícito, ressarcir ao promissário comprador o montante pago pela aquisição, pois desconstituída a compra e venda que alinharam, excetuando-se os prejuízos indiretos experimentados pelo adquirente em decorrência da evicção, posto que enlaçados ambos os contratantes à causa que lhe dera ensejo. 6. A formulação da pretensão ou defesa com lastro no parâmetro defendido pela parte como adequado para perseguir o direito que invoca não importa em alteração da verdade, encerrando simples exercício dialético e defesa do direito cujo reconhecimento é postulado de conformidade com a apreensão que extraíra da regulação legal que lhe é dispensada, obstando que o havido seja enquadrado como fato apto a ensejar a caracterização da litigância de má-fé (CPC, art. 80). 7. O parcial acolhimento da pretensão formulada, resultando em êxito e decaimento desiguais, enseja a caracterização da sucumbência recíproca, porém desproporcional, emergindo da inferência a necessidade de as verbas sucumbenciais serem redistribuídos e rateadas de forma a serem conformadas ao preceituado pelo legislador processual em ponderação com o êxito e decaimento havidos, vedada a compensação (CPC, artigos 85, §§ 14, e 86). 8. Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença parcialmente reformada. Honorários advocatícios recursais fixados. Unânime. (TJDF; Proc 00154.73-95.2016.8.07.0001; Ac. 118.9647; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Teófilo Caetano; Julg. 31/07/2019; DJDFTE 13/08/2019)
3 – Requisitos para caracterização da evicção
São estes os requisitos à caracterização do instituto jurídica da evicção:
- Contrato oneroso como instrumento de entrega da coisa (CC, art. 447)
- A perda da posse ou da propriedade deve originar-se de sentença judicial, que reconheceu direito anterior a um terceiro
- Ignorância do adquirente em relação à coisa alheia ou em litígio
3.1. Contrato oneroso
O Código Civil exige que o contrato, transmitente da posse da propriedade, tenha carácter oneroso, nestes termos:
Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Por isso, apraz trazer à tona o magistério de Silvo de Salvo Venosa:
Essa garantia está presente em todo contrato oneroso, e não apenas na compra e venda, como vem regulada em algumas legislações. Quem transmite uma coisa por título oneroso (vendedor, cedente, arrendante etc.) está obrigado a garantir a legitimidade, higidez e tranquilidade do direito que transfere. Desde que exista equivalência de obrigações para as partes, a garantia faz-se presente. Deve ser assegurado ao adquirente que seu título seja bom e suficiente e que ninguém mais tem direito sobre o objeto do contrato, vindo a turbá-lo, alegando melhor direito. A evicção garante contra os defeitos de direito, da mesma forma que os vícios redibitórios garantem contra os defeitos materiais. Nos contratos gratuitos, não há razão para a garantia, porque a perda da coisa pelo beneficiário não lhe traz um prejuízo, apenas obsta um ganho. No entanto, nada impede que, mesmo em uma doação, as partes estipulem a garantia, que não existe na lei. ( SALVO, Venosa, Sílvio d., Rodrigues, . Código civil interpretado. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013)
3.2. Perda da posse ou propriedade originária de decisão judicial
Não há convergência doutrinária, quanto à perda da posse ou propriedade, decorra de decisão judicial.
Ao contrário, apontam-se, até mesmo, arestos do Superior Tribunal de Justiça, admitindo que ocorra em decorrência de ato administrativo.
A propósito, veja-se as lições de Flávio Tartuce:
Tendo em vista as regras constantes da codificação privada material e a interpretação doutrinária e jurisprudencial que vem sendo dada à categoria, a evicção pode ser conceituada como a perda da coisa diante de uma decisão judicial ou de um ato administrativo que a atribui a um terceiro. Quanto aos efeitos da perda, a evicção pode ser total ou parcial, ou seja, o bem pode ser atribuído de forma integral ou não a esse terceiro.
De toda a sorte, é interessante deixar claro que o conceito clássico de evicção é que ela decorre de uma sentença judicial. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a evicção pode estar presente em casos de apreensão administrativa, não decorrendo necessariamente de uma decisão judicial (nesse sentido, por todos: STJ, REsp 259.726/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, data da decisão: 03.08.2004, DJ 27.09.2004, p. 361).
Mais recentemente, a mesma Corte Superior, em acórdão publicado no seu Informativo n. 519, deduziu que a evicção não exige o trânsito em julgado da decisão para o devido exercício do direito. De acordo com o preciso aresto, “para que o evicto possa exercer os direitos resultantes da evicção, na hipótese em que a perda da coisa adquirida tenha sido determinada por decisão judicial, não é necessário o trânsito em julgado da referida decisão. A evicção consiste na perda parcial ou integral do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribua seu uso, posse ou propriedade a outrem em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição. Pode ocorrer, ainda, em razão de ato administrativo do qual também decorra a privação da coisa. A perda do bem por vício anterior ao negócio jurídico oneroso é o fator determinante da evicção, tanto que há situações em que os efeitos advindos da privação do bem se consumam a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, desde que haja efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito. Assim, apesar de o trânsito em julgado da decisão que atribua a outrem a posse ou a propriedade da coisa conferir o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção, o aplicador do direito não pode ignorar a realidade comum do trâmite processual nos tribunais que, muitas vezes, faz com que o processo permaneça ativo por longos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, impotente, o trânsito em julgado da decisão que já lhe assegurava o direito”. Como se nota, a categoria é analisada socialmente, como deve ocorrer com os institutos privados na contemporaneidade.
Seguindo em seu voto e ponderando sobre a mudança conceitual de perspectiva na doutrina, arremata o Ministro Luis Felipe Salomão que, “com efeito, os civilistas contemporâneos ao CC/1916 somente admitiam a evicção mediante sentença transitada em julgado, com base no art. 1.117, I, do referido Código, segundo o qual o adquirente não poderia demandar pela evicção se fosse privado da coisa não pelos meios judiciais, mas por caso fortuito, força maior, roubo ou furto. Ocorre que o Código Civil vigente, além de não ter reproduzido esse dispositivo, não contém nenhum outro que preconize expressamente a referida exigência. Dessa forma, ampliando a rigorosa interpretação anterior, jurisprudência e doutrina passaram a admitir que a decisão judicial e sua definitividade nem sempre são indispensáveis para a consumação dos riscos oriundos da evicção” (STJ, REsp 1.332.112/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21.03.2013). (TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil - Impactos, Diálogos e Interações. São Paulo: Método, 2015)
3.3. Ignorância de coisa alheia ou litígio
Nessa enseada, reza a Legislação Substantiva:
Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.
Essa é, até mesmo, a compreensão da jurisprudência:
COMPRA E VENDA.
Bem móvel (carregadeira de cana-de-açúcar). Evicção. Descabimento da pretendida discussão acerca da pretensa ausência de culpa ou de nexo causal, pois o vendedor responde, objetivamente, ex vi legis, pelos riscos da evicção. Não identificação de culpa, em relação à apelada, que adotou as medidas judiciais cabíveis, visando à recuperação da Res apreendida. Lide fundada no instituto da evicção, cuja finalidade é, justamente, assegurar o adquirente contra os riscos da perda da coisa, por decisão judicial. Presença, no caso concreto, dos requisitos da evicção. Inocorrência do alegado erro do Estado-Juiz, seja decorrente de ato do oficial de justiça, seja do próprio juiz a quo. Alusão expressa, na sentença, no sentido de que a apuração dos lucros cessantes dar-se-á, oportunamente, em sede de liquidação por artigos, ocasião em que deverão ser devidamente comprovados, em valores líquidos, mas restrito o período de sua incidência a um ano, presumindo-se, findo o prazo, a tomada de providências tendentes a estancar a alegada perda de faturamento. Confirmação do julgado no mais. Recurso provido, em parte. (TJSP; APL 0052422-56.2011.8.26.0651; Ac. 11902573; Valparaíso; Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira; Julg. 11/10/2018; DJESP 19/10/2018; Pág. 2360)
4 – Efeitos da evicção
Surgem como efeitos da evicção:
- Direito à redibição do contrato: direito de rescindir o contrato, judicialmente (ação redibitória), em conta do vício, restituindo-se as partes ao status proemial, anterior ao negócio, com devolução do pagamento efetuado e restituição da coisa ao alienante;
- Direito ao abatimento no preço: prerrogativa de pleitear, judicialmente (via ação estimatória), a diminuição da quantia paga, proporcionalmente à desvalorização da coisa.
Autor: Alberto Bezerra, advogado há mais de 30 anos, professor de direito bancário, pós-graduado pela PUC/SP, autor de diversas obras jurídicas, co-fundador do site Petições Online.
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